bebe reborn

Nas últimas semanas tivemos uma enxurrada de reportagens comentários e apelos sobre este tema. Isso veio a tona após a notícia de uma “mãe de um bebê reborn” ter levado “sua filha” a um médico real para o tratamento de uma doença imaginária. Com isso veio ainda o parto de um bebê reborn, o aniversário, e por ai vai.

Muitos se perguntaram: essa “mãe” é normal?

Vou contextualizar a sociedade / cultura atual e expressar a opinião de especialista sobre o tema.

Reborn – que significa renascer, em inglês – são bonecos feitos à mão para se parecerem com bebês reais, sendo conhecidos por detalhes hiper-realistas, incluindo cabelos implantados, olhos de vidro e pele macia. A face, diferentemente das bonecas antigas, apresenta traços muito próximos aos de bebês reais.

O conceito de bebês reborn surgiu na década de 1990, nos Estados Unidos, com artistas que transformavam bonecas comuns em réplicas detalhadas de bebês reais, um processo chamado “reborning”. A arte de fazer bonecas renascidas tem uma longa tradição de colecionadores, artistas e fabricantes que restauram e aprimoram bonecas para um maior realismo, sendo que a técnica se espalhou pelo mundo, inclusive no Brasil, e se tornou popular no início dos anos 2000.

Lembro ainda hoje quando minha filha, que tinha por volta de 6 anos (2008), ganhou dos avós uma boneca destas. A época já apresentava um custo elevadíssimo e era permitido pela avó apenas para observação e manejo/manuseio, com muito cuidado por parte da neta, para não haver deterioro do objeto.

Na mesma década de surgimento dos bebês reborn, foi lançado no mercado um brinquedo chamado Tamagotchi. Super acessível financeiramente foi uma febre entre os adolescentes da época. Era um “bichinho” virtual que possuía um recurso de comunicação por infravermelho embutido. A motivação do brinquedo era de cuidar do bichinho virtual como se fosse real, dando carinho, comida, banho e demais cuidados virtualmente. Alguém nessa época foi considerado “louco” por ficar alimentando um bichinho virtual diariamente?

Mas porquê atualmente os reborn’s são um problema e na época os Tamagotchi eram normais e aceitáveis?

A rede social atual deu voz a todas as pessoas. Os julgamentos de comportamentos passaram a ser frequentes e o stalking – perseguição reiterada com ameaças físicas e psicológicas – comum e sem consequências legais, interferindo na liberdade e privacidade das pessoas.

O ser humano têm a necessidade de manter relacionamentos. Apresenta uma incapacidade de se sentir bem sozinho (solitude). O sentimento de solidão atualmente faz as pessoas estarem em um evento tirando fotos e vídeos para enviar e conversar com pessoas que não estão ali presentes. Não conseguindo sequer aproveitar o momento presente, com as pessoas presentes.

Schopenhauer escreveu sobre o dilema do porco espinho em 1851. Ele escreveu para ilustrar a natureza da experiência humana. Na qual as relações, embora necessárias, podem ser dolorosas e desafiadoras. O dilema consiste na seguinte história. Haviam 3 porcos-espinhos em um dia de inverno gelado e com neve. Eles queriam se aquecer. Porém sempre que se aproximavam para sentir o calor do corpo um do outro, o espinho de um feria o outro e eles se afastavam. Voltavam a sentir muito frio e tentavam novamente se repelindo após novo contato doloroso.

A proximidade das relações humanas – acentuada com as redes socias – promoveu uma verdadeira ode a loucura. O dilema serve como um lembrete da complexidade das relações humanas e da necessidade de encontramos um equilíbrio entre a proximidade saudável e o distanciamento quando somos machucados. Existe uma boa expressão que também ilustra esse contexto. “Você só é ferido nos olhos por alguém que você permite que se aproxime de você”.

Não existe uma doença – como a esquizofrenia – nas “mães” de bebês reborn. Existe sim a dificuldade de se relacionar em um mundo atual cheio de julgamentos. Viver no mundo virtual acaba sendo mais fácil e menos doloroso. Um bebê real chora quando você não quer; depende obrigatoriamente de você a todo instante e não apenas quando você quiser; exige cuidado e atenção vinte e quatro horas por dia; têm suas necessidades alimentares e excretoras sendo obrigatório a higienização e alimentação a todo momento; dificulta a liberdade de tempo para a mãe poder cuidar de si, viver, trabalhar, se divertir,…. Essa facilidade e ausência do trabalho doloroso de criar um filho permite liberdade para dar atenção a isso apenas quando a “mãe de reborn” desejar. No mundo atual no qual estamos inseridos, onde há competição e necessidade de desempenho profissional, poder ter liberdade de tempo para utilizá-lo como melhor lhe convier torna o comportamento das mães de bebês reborn algo natural e aceitável. Claro que o ato de impor uma doença a um bebê não real é considerado “demais”, mas nada mais é que a tentativa do ser humano de dar vida a algo virtual e qualificar mais ou melhor sua própria fantasia. Algo que anteriormente era visto apenas nas crianças chegou aos adultos que estão cansados da responsabilidade advinda com o envelhecimento, com o amadurecimento e a sobrevivência no mundo atual.

Isso requer tratamento? Se não promove problemas na rotina da pessoa envolvida no âmbito profissional, pessoal e familiar, não temos com que nos preocupar.

Isso ainda vale também para os seres humanos que se identificam como animais (os Therians).

A licantropia é uma síndrome psiquiátrica na qual a pessoa acredita realmente ter se transforma em um animal. Os therians não experienciam uma transformação física, mas sim apenas uma identificação profunda e emocional com determinado animal. Ou seja, dependendo de caso a caso o psiquiatra avaliará se existe um quadro psicótico adjacente ou não. Isso determinará a necessidade de um eventual suporte ou tratamento podendo este ser medicamentoso ou psicoterápico.

Viver mais na fantasia atualmente tende a ser uma fuga das dificuldades enfrentadas em nosso cotidiano. A orientação e o adequado direcionamento destes comportamentos e suas eventuais disfuncionalidades promoverá cuidados aos indivíduos e evitará prejuízos maiores futuros a toda uma sociedade. Sabermos o papel de cada um na sociedade e os limites entre o que é seu e o do outro, sem ferir com seus espinhos com uma maior proximidade, é fundamental. Devemos estar sempre a procura do nosso maior desenvolvimento, aprendendo a viver em grupo e sem julgamentos.

O que será do futuro das pessoas na sociedade atual? Como disse Dostoiévski na obra O Sonho de um Homem Ridículo: “mas ando ainda a procura daquela jovenzinha. E continuo, e continuo,…”.

Dr. João Luiz da Fonseca Martins.

Médico Psiquiatra, CRM/PR 24.289 e RQE 3.011.

Diretor Técnico Clínica Iátrica .

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